Sobre morar fora, estar dividido(a) entre dois mundos e a busca por pertencimento
- Psi Leticia Venturi
- 8 de mar.
- 2 min de leitura
Atualizado: 11 de mar.

Morar fora é um salto no desconhecido. É abrir mão do que é familiar para construir algo novo, em um lugar onde, muitas vezes, nos sentimos estrangeiros até de nós mesmos. No começo, tudo é novidade: os sons, os cheiros, a língua, os pequenos hábitos do dia a dia que parecem tão naturais para quem já vive ali, mas que para nós exigem um esforço constante de adaptação. E, no meio desse processo, pode surgir uma sensação estranha – como se não pertencêssemos completamente a lugar nenhum. Pelo menos foi assim que me senti ao mudar de país.
É um sentimento ambíguo: não nos encaixamos totalmente no novo país, mas também já não somos exatamente a mesma pessoa que partiu. Voltar para o lugar de origem pode trazer a percepção de que algo mudou, que já não vemos tudo da mesma forma. Mas, ao mesmo tempo, no novo país, certas experiências mostram que ainda há uma barreira invisível entre nós e aqueles que sempre viveram ali. A língua pode ser fluente, os costumes podem ser aprendidos, mas há uma camada mais profunda do pertencimento que demora a se formar.
Na psicologia, entendemos que o pertencimento é uma necessidade fundamental para o bem-estar emocional. Por isso, reconhecer e acolher os desafios dessa jornada, sem ignorar nossos sentimentos, é essencial para construir uma identidade mais integrada e uma relação mais leve com essa experiência desafiadora.
Mas então, como criar um lar quando as raízes parecem divididas entre dois mundos? Entendo que parte do caminho está em acolher essa dualidade em vez de lutar contra ela. Em vez de buscar recriar o que ficou para trás ou tentar se encaixar completamente no novo lugar, pode ser mais leve construir um espaço que abrace essa dualidade. Manter os laços com a cultura de origem – seja através da comida, da música, do idioma ou das conexões com pessoas que compartilham essa experiência – ajuda a nutrir um senso de identidade. Ao mesmo tempo, permitir-se criar novas tradições, se abrir para novas relações e se envolver com a comunidade local também fortalece a sensação de pertencimento.
Talvez nunca nos sintamos cem por cento de um só lugar, mas talvez essa seja a beleza da experiência de morar fora: aprender que pertencemos, antes de tudo, a nós mesmos e às histórias que construímos ao longo do caminho. O lar deixa de ser um ponto fixo no mapa e se torna aquilo que carregamos dentro – nos vínculos que cultivamos, nos pequenos rituais do dia a dia, e na capacidade de fazer de qualquer lugar nossa casa.
Se você sente que essa adaptação tem sido difícil, saiba que não está sozinho(a) – eu também passei por esse processo e entendo os desafios que ele pode trazer. A psicoterapia pode ser um espaço seguro para explorar essas emoções e desenvolver estratégias para se sentir mais em casa consigo mesmo, independentemente de onde esteja.